domingo, 15 de julho de 2007

Brinquedos desvendam correntes oceânicas




A ciência faz-se muitas vezes com sorte, como provam alguns episódios de descobertas famosas; a da penicilina, por exemplo. Um dia, na lista dos acasos felizes da história da ciência, talvez conste a dos patinhos chineses que ajudaram os humanos a compreender o complexo percurso das correntes oceânicas.A odisseia destes pequenos brinquedos de fabrico chinês, arrastados borda fora do navio que os transportava, em pleno oceano Pacífico, há 15 anos, poderá demorar anos, ou décadas. Nas próximas semanas, alguns dos patinhos (e tartarugas, castores e sapos) de plástico deverão chegar às costas das ilhas Britânicas. A quantidade de objectos recuperados permitirá tirar novas conclusões sobre os padrões das correntes.O trabalho está a ser feito desde que os primeiros brinquedos chegaram à costa do Alasca. O caso deu-se dez meses depois de serem arrastados nos contentores, durante uma terrível tempestade, em Janeiro de 1991, numa zona do Pacífico Central onde a água se separa em duas enormes correntes, uma para sul, a outra para norte.Os brinquedos serviam para entreter crianças durante o banho e tinham sido concebidos para flutuar. Os patinhos eram amarelos, mas perderam a cor e tornaram-se brancos. O mesmo aconteceu com os castores. Juntos, estes dois faziam mais de metade dos 28,8 mil brinquedos libertados na tempestade. Havia ainda sapos verdes e tartarugas azuis, que mantiveram a cor original. Cada um dos brinquedos era mais ou menos do tamanho de um punho humano.A fim de 15 anos, sabe-se que uma quantidade maioritária dos brinquedos seguiu na direcção do Pacífico Sul, tendo um número significativo, mais de 19 mil, atingido a Austrália, Indonésia e América do Sul. Os remanescentes viajaram para norte, chegaram às costas do Alasca e muitos prosseguiram a jornada, atravessaram o estreito de Bering e atingiram o Árctico, onde avançaram para leste, de forma mais lenta, nas águas congeladas. Depois, os brinquedos continuaram para o Atlântico, tendo aparecido alguns nas costas dos EUA e Canadá. Acredita-se que a frota esteja agora na ponta final de mais uma etapa, arrastada para norte pela corrente do Golfo, na direcção das ilhas Britânicas.A história dos brinquedos flutuantes não é diferente de anteriores experiências ou acasos: garrafas lançadas ao mar ou 61 mil sapatos Nike que caíram ao mar em 1990, embora num ponto menos favorável.Os patinhos flutuantes permitiram criar modelos de computador sobre correntes, humidade e ventos em três oceanos, sobretudo no Pacífico e Árctico, menos conhecidos. Em conjunto com a informação coligida nos últimos 50 anos, obteve-se em computador uma deslocação dos objectos a coincidir com a realidade. Quanto maior for a quantidade de patinhos recuperados, maior será a aferição do modelo e, portanto, melhor a compreensão do complexo sistema com enorme impacto no clima da Terra.
Artigo de: Luis Naves [ Diário de Notícias 8 de Julho de 2007]

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